Sexta-feira, 26 de Março de 2010
Um bom artigo do insuspeito Miguel Urbano Rodrigues.
Sócrates, até quando?
Miguel Urbano Rodrigues - 09.02.10
Pertenço a uma geração que se tornou adulta durante a II Guerra
Mundial. Acompanhei com espanto e angústia a evolução lenta da
tragédia que durante quase seis anos desabou sobre a humanidade.
Desde a capitulação de Munique, ainda adolescente, tive dificuldade em
entender porque não travavam a França e a Inglaterra o III Reich
alemão. Pressentia que a corrida para o abismo não era uma
inevitabilidade. Podia ser detida.
Em Maio de 1945, quando o último tiro foi disparado e a bandeira
soviética içada sobre as ruínas do Reichstag, em Berlim, formulei como
milhões de jovens em todo o mundo a pergunta
«Como foi possível?»
Hitler suicidara-se uma semana antes. Naqueles dias sentíamos o peso
de um absurdo para o qual ninguém tinha resposta. Como pudera um povo
de velha cultura, o alemão, que tanto contribuíra para o progresso da
humanidade, permitir passivamente que um aventureiro aloucado
exercesse durante 13 anos um poder absoluto. A razão não encontrava
explicação para esse absurdo que precipitou a humanidade numa guerra
apocalíptica (50 milhões de mortos) que destruiu a Alemanha e cobriu
de escombros a Europa?
Muitos leitores ficarão chocados a por evocar, a propósito da crise
portuguesa, o que se passou na Alemanha a partir dos anos 30.
Quero esclarecer que não me passa sequer pela cabeça estabelecer
paralelos entre o Reich hitleriano e o Portugal agredido por Sócrates.
Qualquer analogia seria absurda.
São outros o contexto histórico, os cenários, a dimensão das
personagens e os efeitos.
Mas hoje também em Portugal se justifica a pergunta «Como foi possível?»
Sim. Que estranho conjunto de circunstâncias conduziu o País ao
desastre que o atinge? Como explicar que o povo que foi sujeito da
Revolução de Abril tenha hoje como Primeiro-ministro, transcorridos 35
anos, uma criatura como José Sócrates? Como podem os portugueses
suportar passivamente há mais de cinco anos a humilhação de uma
política autocrática, semeada de escândalos, que ofende a razão e
arruína e ridiculariza o Pais perante o Mundo?
O descalabro ético socrático justifica outra pergunta: como pode um
Partido que se chama Socialista (embora seja neoliberal) ter desde o
início apoiado maciçamente com servilismo, por vezes com entusiasmo, e
continuar a apoiar, o desgoverno e despautérios do seu líder, o
cidadão Primeiro-ministro?
Portugal caiu num pântano e não há resposta satisfatória para a
permanência no poder do homem que insiste em apresentar um panorama
triunfalista da política reaccionária responsável pela transformação
acelerada do país numa sociedade parasita, super endividada, que
consome muito mais do que produz.
Pode muita gente concluir que exagero ao atribuir tanta
responsabilidade pelo desastre a um indivíduo. Isso porque Sócrates é,
afinal, um instrumento do grande capital que o colocou à frente do
Executivo e do imperialismo que o tem apoiado. Mas não creio neste
caso empolar o factor subjectivo.
Não conheço precedente na nossa História para a cadeia de escândalos
maiúsculos em que surge envolvido o actual Primeiro-ministro.
Ela é tão alarmante que os primeiros, desde o mistério do seu diploma
de engenheiro, obtido numa universidade fantasmática (já encerrada),
aparecem já como coisa banal quando comparados com os mais recentes.
O último é nestes dias tema de manchetes na Comunicação Social e já
dele se fala além fronteiras.
É afinal um escândalo velho, que o Presidente do Supremo Tribunal e o
Procurador-geral da República tentaram abafar, mas que retomou
actualidade quando um semanário divulgou excertos de escutas do caso
Face Oculta.
Alguns despachos do procurador de Aveiro e do juiz de instrução
criminal do Tribunal da mesma comarca com transcrições de conversas
telefónicas valem por uma demolidora peça acusatória reveladora da
vocação liberticida do governo de Sócrates para amordaçar a
Comunicação Social.
Desta vez o Primeiro-ministro ficou exposto sem defesa. As vozes de
gente sua articulando projectos de controlo de uma emissora de
televisão e de afastamento de jornalistas incómodos estão gravadas.
Não há desmentidos que possam apagar a conspiração.
Um mar de lama escorre dessas conversas, envolvendo o
Primeiro-ministro. A agressiva tentativa de defesa deste afunda-o mais
no pântano. Impossibilitado de negar os factos, qualifica de «infame»
a divulgação daquilo a que chama «conversas privadas».
Basta recordar que todas as gravações dos diálogos telefónicos de
Sócrates com o banqueiro Vara, seu ex-ministro foram mandadas destruir
por decisão (lamentável) do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
para se ter a certeza de que seriam muitíssimo mais comprometedoras
para ele do que as «conversas privadas» que tanto o indignam agora,
divulgadas aliás dias depois de, num restaurante, ter defendido, em
amena «conversa» com dois ministros seus, a necessidade de silenciar o
jornalista Mário Crespo da SIC Noticias.
Não é apenas por serem indesmentíveis os factos que este escândalo
difere dos anteriores que colocaram José Sócrates no banco dos réus do
Tribunal da opinião pública. Desta vez a hipótese da sua demissão é
levantada em editoriais de diários que o apoiaram nos primeiros anos e
personalidades políticas de múltiplos quadrantes afirmam sem rodeios
que não tem mais condições para exercer o cargo.
O cidadão José Sócrates tem mentido repetidamente ao País, com
desfaçatez e arrogância, exibindo não apenas a sua incompetência e
mediocridade, mas, o que é mais grave, uma debilidade de carácter
incompatível com a chefia do Executivo.
Repito: como pode tal criatura permanecer como Primeiro-ministro?
Até quando, Sócrates, teremos de te suportar?
"Como explicar que o povo que foi sujeito da Revolução de Abril tenha
hoje como Primeiro-ministro, transcorridos 35 anos, uma criatura como
José Sócrates? Como podem os portugueses suportar passivamente há mais
de cinco anos a humilhação de uma política autocrática, semeada de
escândalos, que ofende a razão e arruína e ridiculariza o Pais perante
o Mundo?"
Também sou da sua geração e os meus parabens pelo seu ponto de vista que é também o meu...