Segunda-feira, 23 de Maio de 2011

...

 

Tiragem: 44789

 

País: Portugal

 

Period.: Diária

 

Âmbito: Informação Geral

 

Pág: 38

 

Cores: Cor

 

Área: 28,79 x 18,89 cm²

 

ID: 34349143 04-03-2011

 

 

Corte: 1 de 1

 

 

Este Natal li dois bons livros. São uma espécie de Padrinho I

e Padrinho II, a continuação um do outro. Recomendo ambos

 

Salazar

 

 

Este Natal li dois bons livros: um sobre a Primeira

 

República, de António Telo, e a biografi a de

 

Salazar, de Filipe Ribeiro de Menezes. São uma

 

espécie de Padrinho I e Padrinho II, são a continuação

 

um do outro. No primeiro vemos a causa,

 

no outro a consequência. Recomendo ambos.

 

O livro de Telo apenas abarca a primeira metade da Primeira

 

República, ou seja, até ao fi m da Grande Guerra. Vê-se

 

de forma clara a obstinação e a cegueira de Afonso Costa. A

 

sua determinação e a sua corrida para o abismo é surpreendente.

 

Faz-me lembrar alguns políticos que infelizmente nos

 

governam. Fica claro que o sidonismo é eminente e percebese

 

que um qualquer Salazar viria. Fica também claro que

 

chamar à I República democracia e reino da liberdade é uma

 

visão falsa. E Telo não teve medo de o mostrar.

 

Da biografi a de Salazar fi quei a perceber alguns acontecimentos

 

de que não tinha consciência. Talvez o mais

 

importante seja que, embora o regime fosse declarada e

 

assumidamente não democrático e não liberal, Salazar

 

viveu sempre acossado. Desde logo para consolidar o seu

 

poder; o golpe de 28 de Maio foi o início mas nada teve

 

de salazarista. Subiu a pulso até chegar onde chegou.

 

Depois foi acossado pelas infl uências revolucionárias

 

da República Espanhola. Logo de seguida teve a guerra

 

civil e, com Franco ganhador, o receio da anexação do

 

País por cedência aos radicais da Falange. Sobreveio a

 

II Grande Guerra e os receios de invasão por Espanha

 

(ou pela Alemanha) avolumaram-se. Daí o seu encosto

 

britânico para tentar o impossível por parte do velho

 

aliado em termos de segurança externa.

 

Finalizada a Guerra, as celebrações na rua da vitória

 

dos Aliados eram também anti-salazaristas. Pelo que, mais

 

uma vez, Salazar fi ca apertado, apesar do seu sucesso

 

(inegável) em ter conseguido manter o País intacto nas

 

suas fronteiras e sem participar na guerra. A candidatura

 

de Norton de Matos poderia ter sido uma ameaça.

 

Pouco depois morre Carmona e novamente tem de tomar

 

opções, nomeadamente entre a monarquia ou a república.

 

Opta pela segunda, mas não sem perder apoios

 

e desiludir muitos.

 

Finaliza os anos 50 com Humberto Delgado e os problemas

 

que conhecemos. E logo no início dos anos 60 tem

 

o seu período mais negro: invasão do Estado da Índia, a

 

ameaça de golpes e o início da guerra em África. Daí para

 

a frente é um homem apenas à defesa, sem capacidade

 

de se antecipar ou jogar politicamente. Acossado até ao

 

fi m, em 1968.

 

Outro traço claro de Salazar, que eu já conhecia, mas

 

que não é contraditado nesta biografi a, é que Salazar não

 

foi um fascista em sentido próprio do termo. Nem todas as

 

ditaduras de direita, que sempre as houve, são fascistas que

 

é um fenómeno específi co de uma determinada época.

 

Desde logo Salazar não ganhou o poder nem por eleições

 

nem por um golpe. Com excepção de Carmona, os

 

outros líderes e principais fi guras do 28 de Maio afastaramse

 

de Salazar e muitos conspiraram contra ele. Ele nunca

 

conquistou o poder, foi ganhando poder com o tempo,

 

lentamente.

 

Por outro lado, nunca foi um grande orador. Os seus

 

discursos são para ser lidos (e o português era bom) e não

 

ouvidos. Detestava as massas e os grandes ajuntamentos.

 

Nunca vestiu um uniforme militar contrariamente aos

 

outros ditadores fascistas. Aliás, sempre desconfi ou dos

 

militares. Os ofi ciais mais graduados tinham combatido ao

 

lado dos ingleses e eram anglófonos, o que para ele signifi

 

cava adeptos da democracia. Escolheu para ministro da

 

Guerra o major Santos Costa. Podemos imaginar nos dias

 

de hoje a afronta que seria para as Forças Armadas ter um

 

major à frente do Ministério da Defesa?

 

A União Nacional era uma estrutura que mais ou menos

 

hibernava para despertar quando necessário mas nunca

 

foi um partido de massas à moda fascista.

 

O salazarismo foi uma ditadura conservadora na verdadeira

 

acepção da palavra: queria conservar o que

 

tinha. Os fascistas queriam a mudança; eram, à

 

sua medida, revolucionários. Os fascistas eram

 

expansionistas: a Itália invadiu a Abissínia e os

 

Balcãs; a Alemanha ocupou quase toda a Europa

 

e teve guerras nas suas colónias africanas; e

 

Espanha teve ambições em Marrocos, então nas

 

mãos dos franceses. Salazar queria conservar o que tinha,

 

nomeadamente o seu império colonial africano.

 

Do ponto de vista económico, enquanto os fascistas eram

 

fortemente favoráveis à industrialização, Salazar buscava

 

na agricultura o futuro do País, ou seja, no seu passado.

 

Quanto ao respeito pelos direitos humanos básicos, é

 

evidente que Salazar não os respeitava e actuava através

 

da PIDE e de tribunais especiais. Mas o grau de brutalidade

 

que conhecemos em Espanha ou em Itália fi ca muito distante

 

do salazarismo. Nunca Salazar instituiu (ou pensou

 

em fazê-lo) a pena de morte. Mesmo quando o salazarismo

 

matou, foi como criminoso face à lei vigente. E comparando

 

a repressão salazarista com a repressão da Primeira República,

 

Salazar não se compara mal.

 

Mais ainda, Salazar procurou sempre manter as instituições

 

de repressão política fora das outras instituições. Por

 

exemplo, os tribunais políticos foram separados dos outros

 

tribunais que gozavam de relativa independência; o mesmo

 

se passou quando cria a PIDE, deixando bastante de lado

 

as outras polícias e fora da repressão política directa.

 

É verdade que Salazar adoptou muitas das instituições do

 

fascismo, nomeadamente italiano. A Mocidade Portuguesa

 

e a Legião foram criadas à imagem do que se passava por

 

essa Europa de índole fascista. Mas a Mocidade Portuguesa

 

foi fundamentalmente um movimento de escuteiros laico,

 

com alguma preocupação ideológica, mas nunca uma força

 

repressiva como em outros países fascistas. A Legião teve

 

alguma importância durante a crise espanhola nos anos 30,

 

mas rapidamente Salazar a esvaziou de conteúdo, desde

 

logo matando-a por falta de recursos fi nanceiros.

 

Salazar tinha um profundo desprezo pela liberdade e,

 

em particular, pela democracia, que fi que claro. Não foi

 

um ditador no sentido fascista, propriamente dito. Foi um

 

nacionalista, evitando a todo o custo que as grandes potências

 

tivessem capacidade (nomeadamente via recursos

 

fi nanceiros) para infl uenciar o rumo do País. Cedeu aos

 

ingleses (e americanos) a base das Lajes, não por razões

 

económicas mas por pressão militar. Alguma coisa neste

 

particular que nos embaraça um pouco nos dias que correm.

 

Certo?

 

 

 

Professor universitário

 

 

Luís

 

Campos

 

e Cunha

 

Salazar nunca

 

conquistou o poder, foi

 

ganhando poder com

 

o tempo, lentamente

 

publicado por blogdaportugalidade às 09:32
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