Tiragem: 44789
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
Pág: 38
Cores: Cor
Área: 28,79 x 18,89 cm²
ID: 34349143 04-03-2011
Corte: 1 de 1
Este Natal li dois bons livros. São uma espécie de Padrinho I
e Padrinho II, a continuação um do outro. Recomendo ambos
Salazar
Este Natal li dois bons livros: um sobre a Primeira
República, de António Telo, e a biografi a de
Salazar, de Filipe Ribeiro de Menezes. São uma
espécie de Padrinho I e Padrinho II, são a continuação
um do outro. No primeiro vemos a causa,
no outro a consequência. Recomendo ambos.
O livro de Telo apenas abarca a primeira metade da Primeira
República, ou seja, até ao fi m da Grande Guerra. Vê-se
de forma clara a obstinação e a cegueira de Afonso Costa. A
sua determinação e a sua corrida para o abismo é surpreendente.
Faz-me lembrar alguns políticos que infelizmente nos
governam. Fica claro que o sidonismo é eminente e percebese
que um qualquer Salazar viria. Fica também claro que
chamar à I República democracia e reino da liberdade é uma
visão falsa. E Telo não teve medo de o mostrar.
Da biografi a de Salazar fi quei a perceber alguns acontecimentos
de que não tinha consciência. Talvez o mais
importante seja que, embora o regime fosse declarada e
assumidamente não democrático e não liberal, Salazar
viveu sempre acossado. Desde logo para consolidar o seu
poder; o golpe de 28 de Maio foi o início mas nada teve
de salazarista. Subiu a pulso até chegar onde chegou.
Depois foi acossado pelas infl uências revolucionárias
da República Espanhola. Logo de seguida teve a guerra
civil e, com Franco ganhador, o receio da anexação do
País por cedência aos radicais da Falange. Sobreveio a
II Grande Guerra e os receios de invasão por Espanha
(ou pela Alemanha) avolumaram-se. Daí o seu encosto
britânico para tentar o impossível por parte do velho
aliado em termos de segurança externa.
Finalizada a Guerra, as celebrações na rua da vitória
dos Aliados eram também anti-salazaristas. Pelo que, mais
uma vez, Salazar fi ca apertado, apesar do seu sucesso
(inegável) em ter conseguido manter o País intacto nas
suas fronteiras e sem participar na guerra. A candidatura
de Norton de Matos poderia ter sido uma ameaça.
Pouco depois morre Carmona e novamente tem de tomar
opções, nomeadamente entre a monarquia ou a república.
Opta pela segunda, mas não sem perder apoios
e desiludir muitos.
Finaliza os anos 50 com Humberto Delgado e os problemas
que conhecemos. E logo no início dos anos 60 tem
o seu período mais negro: invasão do Estado da Índia, a
ameaça de golpes e o início da guerra em África. Daí para
a frente é um homem apenas à defesa, sem capacidade
de se antecipar ou jogar politicamente. Acossado até ao
fi m, em 1968.
Outro traço claro de Salazar, que eu já conhecia, mas
que não é contraditado nesta biografi a, é que Salazar não
foi um fascista em sentido próprio do termo. Nem todas as
ditaduras de direita, que sempre as houve, são fascistas que
é um fenómeno específi co de uma determinada época.
Desde logo Salazar não ganhou o poder nem por eleições
nem por um golpe. Com excepção de Carmona, os
outros líderes e principais fi guras do 28 de Maio afastaramse
de Salazar e muitos conspiraram contra ele. Ele nunca
conquistou o poder, foi ganhando poder com o tempo,
lentamente.
Por outro lado, nunca foi um grande orador. Os seus
discursos são para ser lidos (e o português era bom) e não
ouvidos. Detestava as massas e os grandes ajuntamentos.
Nunca vestiu um uniforme militar contrariamente aos
outros ditadores fascistas. Aliás, sempre desconfi ou dos
militares. Os ofi ciais mais graduados tinham combatido ao
lado dos ingleses e eram anglófonos, o que para ele signifi
cava adeptos da democracia. Escolheu para ministro da
Guerra o major Santos Costa. Podemos imaginar nos dias
de hoje a afronta que seria para as Forças Armadas ter um
major à frente do Ministério da Defesa?
A União Nacional era uma estrutura que mais ou menos
hibernava para despertar quando necessário mas nunca
foi um partido de massas à moda fascista.
O salazarismo foi uma ditadura conservadora na verdadeira
acepção da palavra: queria conservar o que
tinha. Os fascistas queriam a mudança; eram, à
sua medida, revolucionários. Os fascistas eram
expansionistas: a Itália invadiu a Abissínia e os
Balcãs; a Alemanha ocupou quase toda a Europa
e teve guerras nas suas colónias africanas; e
Espanha teve ambições em Marrocos, então nas
mãos dos franceses. Salazar queria conservar o que tinha,
nomeadamente o seu império colonial africano.
Do ponto de vista económico, enquanto os fascistas eram
fortemente favoráveis à industrialização, Salazar buscava
na agricultura o futuro do País, ou seja, no seu passado.
Quanto ao respeito pelos direitos humanos básicos, é
evidente que Salazar não os respeitava e actuava através
da PIDE e de tribunais especiais. Mas o grau de brutalidade
que conhecemos em Espanha ou em Itália fi ca muito distante
do salazarismo. Nunca Salazar instituiu (ou pensou
em fazê-lo) a pena de morte. Mesmo quando o salazarismo
matou, foi como criminoso face à lei vigente. E comparando
a repressão salazarista com a repressão da Primeira República,
Salazar não se compara mal.
Mais ainda, Salazar procurou sempre manter as instituições
de repressão política fora das outras instituições. Por
exemplo, os tribunais políticos foram separados dos outros
tribunais que gozavam de relativa independência; o mesmo
se passou quando cria a PIDE, deixando bastante de lado
as outras polícias e fora da repressão política directa.
É verdade que Salazar adoptou muitas das instituições do
fascismo, nomeadamente italiano. A Mocidade Portuguesa
e a Legião foram criadas à imagem do que se passava por
essa Europa de índole fascista. Mas a Mocidade Portuguesa
foi fundamentalmente um movimento de escuteiros laico,
com alguma preocupação ideológica, mas nunca uma força
repressiva como em outros países fascistas. A Legião teve
alguma importância durante a crise espanhola nos anos 30,
mas rapidamente Salazar a esvaziou de conteúdo, desde
logo matando-a por falta de recursos fi nanceiros.
Salazar tinha um profundo desprezo pela liberdade e,
em particular, pela democracia, que fi que claro. Não foi
um ditador no sentido fascista, propriamente dito. Foi um
nacionalista, evitando a todo o custo que as grandes potências
tivessem capacidade (nomeadamente via recursos
fi nanceiros) para infl uenciar o rumo do País. Cedeu aos
ingleses (e americanos) a base das Lajes, não por razões
económicas mas por pressão militar. Alguma coisa neste
particular que nos embaraça um pouco nos dias que correm.
Certo?
Professor universitário
Luís
Campos
e Cunha
Salazar nunca
conquistou o poder, foi
ganhando poder com
o tempo, lentamente
. ...
. REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA...
. ...
. MOVIMENTO CONTRA O NAO : ...
. http://pissarro.home.sapo.pt/memorias0.htm
. http://pissarro.home.sapo.pt/memorias0.htm